Sentem ódio porque combatemos a fome?
Depois dos argumentos de alguns paulistas sobre o
posicionamento político e o voto dos nordestinos eu resolvi manifestar algumas
considerações.
Primeiro eu quero falar sobre as críticas ao
assistencialismo. Notamos que durante muito tempo o país assistiu chocado ao
que era exibido pelos jornais televisivos, onde pessoas e animais eram vistos
em uma situação tão deplorável, sofrendo com a fome, com a seca e com uma miséria
que os deixavam cadavéricos.
E sentados inertes em suas poltronas a população se
indignava e esbravejando acusavam os políticos de incompetência, de más
intenções e de falta de sensibilidade. E assim gritavam: “ninguém vai fazer
nada?”. E o grito continuava afirmativo: “Alguém precisa fazer alguma coisa!”.
Exatamente assim, ninguém faz nada, que alguém faça. Sim, alguém, mas não eu.
Começou então uma campanha através da Ação da Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida, por iniciativa do Sociólogo Betinho.
Agora pasmem o mesmo cidadão inerte sentado no seu sofá, ao
saber que finalmente viu esse tal alguém, que não fosse ele, tomando a
responsabilidade para si e iniciando uma campanha fazendo aquela tal alguma
coisa que a população indignou-se tanto por não ter sido feita, esse mesmo
cidadão que passivo esbravejava resolveu tecer suas considerações.
E então, você deve achar que Betinho foi aclamado por estas
pessoas, correto? Não, foi apontado como um assistencialista, porque a tal
alguma coisa era um projeto para ensinar a pescar e não para dar o peixe. Puxa,
recorreram ao lugar comum para apontar para esse tal alguém que fez a tal
alguma coisa. Betinho por sua vez, após transformar-se naquele tal “alguém” que
fez a tal “alguma coisa” ainda se defendeu por ter levado o “peixe” e não ter ensinado
a pescar e disse naquela época: “quem tem fome tem pressa”.
Então chega ao poder o Presidente Luís Inácio Lula da Silva
e começa a maior transformação da política brasileira, um presidente que iria
olhar para os pobres, para os miseráveis, para os famintos e para as vítimas da
seca. E olhar é uma maneira muito simplista de falar, ele não só trabalhou para
acabar com os problemas básicos, mas também começou um investimento jamais
visto para que todos os atingidos pelos problemas sociais do Brasil tivessem
oportunidades reais, e além de cursos técnicos e profissionalizantes, muitos
poderiam inclusive ingressar em uma universidade. Aí eu pergunto o porque de tanto ódio nas falas das pessoas,
se foi dado um passo inicial que caminha na direção da solução dos problemas. O
discurso de ódio deve ter uma motivação e por isso fui buscar na literatura
alguma explicação e encontrei na obra “Inveja – o mal secreto” de Zuenir
Ventura alguns pontos muito interessantes que podem nos ajudar neste raciocínio.
Então pelo fato da população receber uma renda, um auxílio que seja mais do que
as sobras e excedentes dos mais favorecidos, pelos pobres receberem não mais os
restos dos privilegiados, isso pode ter despertado um pouco deste sentimento
mal compreendido chamado inveja. Segundo Zuenir, a emergente Vera Loyola deu as
melhores declarações para o livro, uma delas foi: "O verdadeiro amigo não
é aquele que é solidário com sua desgraça, mas aquele que suporta o seu
sucesso. É exatamente isso”. Na apresentação do livro, a síntese deste pecado é descrita
da seguinte forma: “'Mal secreto' mistura aventura e revelações, como num jogo
tecido pela própria inveja onde o mais importante não é o que se ganha, mas o
que o outro perde.”.
Outro dia eu estava no carro de um amigo e ele fazia um
discurso bastante prolixo enquanto dirigia. Dizia ele da vergonha de morar no “país
do bolsa família”, que se sentia ultrajado, porque é um país de vagabundos e
que com certeza não se pode dar o peixe, que é necessário ensinar a pescar.
Completou ainda maldizendo o que ele definiu como “essa gente que fica com peninha,
querendo parecer bonzinho”. Acredito que ele se referia aos sociólogos, assistentes
sociais e outros profissionais em áreas correlatas. Logo à frente paramos no
semáforo e vi que ele abriu o vidro do carro e estendeu a mão para entregar
algumas moedas para um garotinho que não deveria ter mais do que 7 anos. Puxa,
ele nem tem consciência do que é a miséria, nem consciência da importância dos programas
sociais e muito menos de que o seu ato é considerado um incentivo a miséria.
Muito pior do que dar o peixe eu diria, pois nem pode ser considerado ajuda ou
assistencialismo.
Em relação ao voto, nós vemos que o nordestino talvez seja o
povo que melhor sabe escolher seus candidatos. Se a regra é votar por quem faz
algo muito bom para o povo ou apostar em uma renovação e eleger quem deverá
fazê-lo, então eles escolhem muito bem. Ao contrário do sudeste, onde o governo
é ineficiente em muitas áreas, inclusive com as mais significativas como
segurança, saúde, transporte (vejam nosso metrô) e com a educação. E a
população continua reelegendo os mesmos, enquanto o nordeste se posiciona na
mudança política, a Bahia elege novos governantes quebrando com a chamada
política do coronelismo. E São Paulo apoia um governo inexpressivo, o governo
do “arroz com feijão” e que só coloca chuchu na mistura. E quem sabe votar
afinal?
De acordo com o site do programa Fome Zero, no Brasil em
2003 existiam 44 milhões de pessoas ameaçadas pela fome. Hoje a ONU reconhece
que o combate a fome no Brasil atingiu índices expressivos, mas, ainda não
temos que comemorar, porque por mais eficiente que o programa tenha sido,
estima-se que 14 milhões de brasileiros ainda sofram com a fome. Por isso fico
chocado quando tentam distorcer o programa bolsa família, porque não podemos
combater um programa que ainda não atingiu seu objetivo final e na sua
totalidade, muito pelo contrário, deveríamos todos colaborar para que ninguém
sofra mais com a fome, nem os nossos 14 milhões de brasileiros, nem os
estimados 1 bilhão de pessoas em todo o mundo.
Por isso, pensem se o ódio que sentem e a crítica que faz
não é sintoma de uma inveja. O autor Zuenir Ventura, através das pesquisas para
escrever o livro “Inveja – o mal secreto”, esclarece alguns conceitos para nos
ajudar a entender o significado deste pecado e o distingue de outros sentimentos.
"Ciúme é querer manter o que se tem;
cobiça é querer o que não se tem;
inveja é querer que o outro não
tenha."
Boa reflexão!
Eu sempre deixo um vídeo e hoje vou deixar um poema do Maçambira, declamado pelo Saulo Laranjeira.