segunda-feira, 1 de setembro de 2014

E o mais terrível é não ter saída, o céu me dá claustrofobia.





 "O que eu quero é viver de novo o passado que vivi, 
com muito mais intensidade, 
sem os sentimentos de culpa com que minha religião aprisionou o meu corpo, 
as minhas idéias e os meus sentimentos… 
Tenho tristeza pelos pecados que não cometi… 
Eram pecados tão inocentes… 
Estou até desconfiado de que Deus está me castigando, 
ele está me castigando porque eu não pequei 
o tanto que ele queria que eu pecasse."
Rubem Alves

Cria-se uma aura sobre alguns líderes religiosos e se  você criticá-los será automaticamente julgado por seus seguidores. Estes, preferem ver morto quem os alerta ao desmascarar aos que lhes enganam.

Segue abaixo alguns trechos do livro "do universo à jabuticaba" do mestre Rubem Alves. E as fotos foram tiradas no Teatro Oficina durante a apresentação da peça "Walmor e Cacilda 64 - O Robogolpe".

Reflexões profundas e uma forma de enxergar as coisas muito especial, como só o Rubem Alves foi capaz.


 

"Meu pecado foi pecar com timidez… 
Tive medo de gozar a vida…
 Assim, quando são poucas as jabuticabas na minha tigela, 
rezo o meu Pai-Nosso herético – ou erótico: 
O prazer nosso de cada dia dá-nos hoje…"


  
"O futuro não me interessa.
 Eu nunca o vivi, por isso não posso amá-lo. 
 Não quero ir para o céu: o tempo infinito deve ser um tédio insuportável. 
E o mais terrível é não ter saída. O céu me dá claustrofobia."






 MERETRIZES

"Foi Jesus que disse aos fariseus, 
 religiosos que viviam citando Escrituras e tentando converter os outros,
 que as meretrizes entrariam no Reino dos Céus antes deles. E notem: Jesus não disse: meretrizes arrependidas. Entram as meretrizes mesmo e, atrás delas entram também os fariseus hipócritas e tudo o mais que Deus criou. Um Deus que é todo amor não pode ter no seu universo uma câmara de torturas eternas em que as almas sofrem por pecados cometidos no tempo.
Vejo as pessoas religiosas fechar os olhos para orar. 
Elas creem que, para se ver Deus é preciso não ver o mundo. 
Mas Deus se revela precisamente na alegria de ver. 
O Paraíso é uma dádiva de Deus  aos olhos dos homens. 
O Paraíso é o rosto visível de Deus."



Loucura e Religião

"Disse Riobaldo e eu digo "amém". "Todo mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso que se carece principalmente da religião: para desendoidecer, desdoidar.(...)"."



REENCARNAÇÃO

"Uma amiga querida, ex-aluna, kardecista, me disse com um tom carinhoso que eu ficaria melhor se abandonasse a minha incredulidade e acreditasse na reencarnação. Com a reencarnação tudo se explicaria.  O universo é lógico, tudo se encaixa, parece bordado, a gente vê o lado avesso, mas tem o direito que a gente não vê, tudo que parece ser desarmonia do lado de cá é harmonia do lado de lá. A certeza disso apazigua a alma. A gente sofre com resignação. O final feliz está sempre garantido.
Aí tive de esclarecer o equívoco sobre a minha religião.
“Pois saiba você que eu acredito muito na reencarnação. Faz muito tempo anunciei a minha conversão num artigo de nome esquisito: ‘oãçanracneeR’. Reencarnação ao contrário: não de trás para adiante, de diante para trás. O futuro não me interessa. Eu nunca o vivi, por isso não posso amá-lo. Não quero ir para o céu: o tempo infinito deve ser um tédio insuportável. E o mais terrível é não ter saída. O céu me dá claustrofobia. Além do que não quero evoluir. Muitas coisas não podem e não devem evoluir.: canto de sabiá, vermelho do sol poente, cheiro de café fresquinho, os poemas de Cecília Meireles, ipês floridos, a sonata Appassionata de Beethoven, uma jabuticaba madura…”
O que seria uma jabuticaba evoluída? Uma jabuticaba cúbica? Uma jabuticabeira florida e perfumada e, depois, coberta de esferas negras brilhantes e túrgidas, aquele “toc” que a jabuticaba faz quando a gente morde – esse objeto é perfeito, divino, sem passado e sem futuro, presente puro destinado à eternidade. Não posso imaginar que alguma evolução lhe possa ser acrescentada.
O que eu quero não é evoluir. O que eu quero é viver dee novo o passado que vivi, com muito mais intensidade, sem os sentimentos de culpa com que minha religião aprisionou o meu corpo, as minhas idéias e os meus sentimentos… Tenho tristeza pelos pecados que não cometi… Eram pecados tão inocentes… Estou até desconfiado de que Deus está me castigando, ele está me castigando porque eu não pequei o tanto que ele queria que eu pecasse. Tentei ser mais espiritual que o próprio Deus e ele ficou bravo comigo… Não acreditei na advertência de Lutero, escrevendo a Melanchton: “Deus não salva falsos pecadores. Seja um pecador e peque fortemente, mas creia e se alegre em Cristo mais fortemente ainda…” Meu pecado foi pecar com timidez… Tive medo de gozar a vida… Assim, quando são poucas as jabuticabas na minha tigela, rezo o meu Pai-Nosso herético – ou erótico: “O prazer nosso de cada dia dá-nos hoje…”." 

 (in ALVES, Rubem – Do universo à jabuticaba – Planeta- 2010 p. 136/137)




E por fim a obra citada na crônica sobre a reencarnação, a Sonata Appassionata de Bethoven.




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