"Se porventura
vivo descontente
por fraqueza
por fraqueza
de espírito,
padecendo
a doce pena que
a doce pena que
entender não sei,
fujo de mim
fujo de mim
e acolho-me,
correndo,
à vossa vista;
à vossa vista;
e fico tão contente
que zombo dos
que zombo dos
tormentos
que passei.
Luís Vaz de Camões
Canção I
Fermosa e gentil Dama, quando vejo
a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,
a boca graciosa, o riso honesto,
o marmóreo colo e branco peito,
de meu não quero mais que meu desejo,
nem mais de vos que ver tão lindo gesto.
Ali me manifesto
por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo
nas lágrimas que choro;
e de mim, que vos amo,
em ver que soube amar-vos, me namoro;
e fico por mim só perdido, de arte
que hei ciúmes de mim por vossa parte.
Se porventura vivo descontente
por fraqueza de espírito, padecendo
a doce pena que entender não sei,
fujo de mim e acolho-me, correndo,
à vossa vista; e fico tão contente
que zombo dos tormentos que passei.
De quem me queixarei
se vós me dais a vida deste jeito
nos males que padeço,
senão de meu sujeito,
que não cabe com bem de tanto preço?
Mas ainda isso de mim cuidar não posso,
de estar muito soberbo com ser vosso.
Se, por algum acerto, Amor vos erra,
por parte do desejo cometendo
algum nefando e torpe desatino;
se ainda mais que ver, enfim, pretendo;
fraquezas são do corpo, que é de terra,
mas não do pensamento, que é divino.
Se tão alto imagino
que de vista me perco – peco nisto –,
desculpa-me o que vejo;
que se, enfim, resisto
contra tão atrevido e vão desejo,
faço-me forte em vossa vista pura,
e armo-me de vossa fermosura.
Das delicadas sobrancelhas pretas
os arcos, com que fere, Amor tomou,
e fez a linda corda dos cabelos;
e, porque de vós tudo lhe quadrou,
dos raios desses olhos fez as setas
com que fere quem alça os seus, a vê-los.
Olhos, que são tão belos,
dão armas de vantagem ao Amor,
com que as almas destrui;
porém, se é grande a dor,
co a alteza do mal a restitui;
e as armas com que mata são de sorte
que ainda lhe ficais devendo a morte.
Lágrimas e suspiros, pensamentos,
quem deles se queixar, fermosa Dama,
mimoso está do mal que por vós sente.
Que maior bem deseja quem vos ama
que estar desabafando seus tormentos,
chorando, imaginando docemente?
Quem vive descontente
não há-de dar alívio a seu desgosto,
por que se lhe agradeça;
mas com alegre rosto
sofra seus males, para que os mereça;
que quem do mal se queixa, que padece,
fá-lo porque esta glória não conhece.
De modo que, se cai o pensamento
em algüa fraqueza, de contente
é porque este segredo não conheço:
assi que com razões, não tão-somente
desculpo ao Amor de meu tormento,
mas ainda a culpa sua lhe agradeço.
Por esta fé mereço
a graça, que esses olhos acompanha,
o bem do doce riso;
mas porém não se ganha
cum paraíso outro paraíso.
E assi, de enleada, a esperança
se satisfaz co bem que não alcança.
Se com razões escuso meu remédio,
sabe, Canção, que, porque não vejo,
engano com palavras o desejo.
a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,
a boca graciosa, o riso honesto,
o marmóreo colo e branco peito,
de meu não quero mais que meu desejo,
nem mais de vos que ver tão lindo gesto.
Ali me manifesto
por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo
nas lágrimas que choro;
e de mim, que vos amo,
em ver que soube amar-vos, me namoro;
e fico por mim só perdido, de arte
que hei ciúmes de mim por vossa parte.
Se porventura vivo descontente
por fraqueza de espírito, padecendo
a doce pena que entender não sei,
fujo de mim e acolho-me, correndo,
à vossa vista; e fico tão contente
que zombo dos tormentos que passei.
De quem me queixarei
se vós me dais a vida deste jeito
nos males que padeço,
senão de meu sujeito,
que não cabe com bem de tanto preço?
Mas ainda isso de mim cuidar não posso,
de estar muito soberbo com ser vosso.
Se, por algum acerto, Amor vos erra,
por parte do desejo cometendo
algum nefando e torpe desatino;
se ainda mais que ver, enfim, pretendo;
fraquezas são do corpo, que é de terra,
mas não do pensamento, que é divino.
Se tão alto imagino
que de vista me perco – peco nisto –,
desculpa-me o que vejo;
que se, enfim, resisto
contra tão atrevido e vão desejo,
faço-me forte em vossa vista pura,
e armo-me de vossa fermosura.
Das delicadas sobrancelhas pretas
os arcos, com que fere, Amor tomou,
e fez a linda corda dos cabelos;
e, porque de vós tudo lhe quadrou,
dos raios desses olhos fez as setas
com que fere quem alça os seus, a vê-los.
Olhos, que são tão belos,
dão armas de vantagem ao Amor,
com que as almas destrui;
porém, se é grande a dor,
co a alteza do mal a restitui;
e as armas com que mata são de sorte
que ainda lhe ficais devendo a morte.
Lágrimas e suspiros, pensamentos,
quem deles se queixar, fermosa Dama,
mimoso está do mal que por vós sente.
Que maior bem deseja quem vos ama
que estar desabafando seus tormentos,
chorando, imaginando docemente?
Quem vive descontente
não há-de dar alívio a seu desgosto,
por que se lhe agradeça;
mas com alegre rosto
sofra seus males, para que os mereça;
que quem do mal se queixa, que padece,
fá-lo porque esta glória não conhece.
De modo que, se cai o pensamento
em algüa fraqueza, de contente
é porque este segredo não conheço:
assi que com razões, não tão-somente
desculpo ao Amor de meu tormento,
mas ainda a culpa sua lhe agradeço.
Por esta fé mereço
a graça, que esses olhos acompanha,
o bem do doce riso;
mas porém não se ganha
cum paraíso outro paraíso.
E assi, de enleada, a esperança
se satisfaz co bem que não alcança.
Se com razões escuso meu remédio,
sabe, Canção, que, porque não vejo,
engano com palavras o desejo.
Obs: Material extraído do site Jornal da Poesia.
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